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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Nova edição




Começando agora a revisar/rever meu primeiro livro da trilogia "Subterrâneos do desejo" para uma nova edição, encontro este pretenso poema "escrito" por um personagem tesudo e insone no conto "A vigília" (de CAÇADORES NOTURNOS, Desatino/2001). Engraçado como o tempo vai me distanciando de tudo e me expulsando de certas narrativas. Quanto mais produzo novos textos, mais percebo que sou apenas um datilógrafo de vozes que surgem sabe-se lá de onde. Nem quero saber. 

Aqui vão os versos...

"SOLIDÃO"


Coração:
Chaga separando vivas
Luzes
Dores
Madrugadas
Estrelas vazias
...
Sobre meus olhos:
Caminhos
Névoa morna
Soturnos encontros
...
Por esse amor:
Estendo mia solidão
Desejos e destemperos
Noites em brasa
...
Dos templos, confesso:
Perdidos horizontes
Amargos
Verdes
...
Do osso:
Nem mais o pó
...
Deus!
Vele esse meu pranto
De pérolas vazadas
Mortas
...
De outras moradas:
Outros veludos
Ganhem ânsias
Insônias
Serenatas
...
Dos sonhos distantes:
Vozes que ouço
Vultos gelados em noites de febre
Alma inquieta 
Carne nova no cio
...
Da fome:
Esquinas 
Viadutos
Ventos
Fúrias
Apressados funerais
...
Dessas noites:
Solidão de janelas que me beijam na boca
Presságios de camas nervosas
Amanhecidos desertos
...
Por último: 
Que o sol venha e lave 
Essa mia cara branca
Meu luto
Meus vícios
Meu fim
....
Amém!



segunda-feira, 27 de junho de 2016

Idas e vindas



Faz tempo... mas, ainda cursando Relações Internacionais, eu dizia: 
"Essa União Europeia não vai longe, nem Mercosul, nem coisa alguma desse tipo". 
E rebatiam em coro: 
"Que besteira! É o futuro!" 
Daí, eu me calava. 
Ora, nasci em uma cidade de fronteira (com a Argentina e o Uruguai). Quem nasce na fronteira, sabe que fronteira sempre será fronteira, nunca deixará de ser fronteira. E, dependendo da crise (sempre há tempos de crises – no plural mesmo), as fronteiras se tornam cada vez mais fronteiras. Muros são imediatamente erguidos e/ou abismos são cavados (invisíveis ou não). Cada um que fique no seu canto. E "dentro" desses "cantos", em tempos de crises (porque sempre vão e voltam esses tempos difíceis), não é raro que outras trincheiras e cercas sejam criadas para evitar que os "diferentes" se misturem de modo perigoso aos "iguais". 
Na verdade, não há "iguais" (nem em tempos de crises, nem nunca), mas muitos pensam que são parecidos. Assim, nessa ilusão/vontade de ser idêntico aos seus falsos pares, eles se sentem mais protegidos. Não, não estão. Nunca estiveram, nem estarão a salvo de nada quando a mentira impera. E todos ("diferentes" e "iguais") vão acabar pagando um preço muito alto por isso. 

Resumo da ópera (que pode parecer bufa no início, mas geralmente é bem trágica no final): Os "feudos" jamais deixaram/deixarão de existir.


terça-feira, 21 de junho de 2016

Meu passado me condena



No último domingo, durante um café com amigos, surgiu essa conversa sobre filmes que escrevi aos 18, 19 e 20 anos para a Boca do Lixo. Alguns diretores não queriam ir para o caminho do sexo explícito, então tentavam se aventurar em outros gêneros. Escrevi vários roteiros de terror "trash", mas bem "trash" mesmo. Dois foram filmados (pelo menos é o que sei; ainda não sabia assinar contratos, era muito moleque). A ordem que recebia era: quanto pior, melhor! 
Já nem me lembrava mais desse período... Pois vasculhando na net, vi que um deles foi lançado nos EUA (há muitos fãs de "trash" por lá).
Aqui vai a capa do DVD e o trailer com dublagens horrorosas dos gritos... Naquele tempo eu assinava "Greco" como "Grecco", por insistência do diretor.  
No elenco, havia atores da Argentina e Brasil. 
Que horror!!!!

Atenção: só assista se tiver coragem (em todos os sentidos) e estômago forte!!!!






segunda-feira, 6 de junho de 2016

Nos tempos do Cabaré do Ivo


Por falar em “Ivo Rodrigues”... Minha mãe teve salão de beleza na avenida Duque de Caxias (Uruguaiana, RS) – em números diferentes, mas sempre foi lá que ela trabalhou. Cresci ouvindo todo tipo de história. Volta e meia, surgia um novo comentário sobre o Ivo. Vamos ver se me lembro de alguns...

.  Nascido em São Borja (RS) no último dia de julho na primeira década do século passado e abandonado pela família por causa dos trejeitos efeminados que iria apresentar com o tempo, Ivo foi criado na periferia de Uruguaiana por uma velha cafetina em um bordel simples (“tasca”, como se diz lá do Sul). Cuidou da mãe adotiva até o fim. Herdou dela o cabaré. Com gosto refinado e tino, digamos, bastante comercial, revigorou o lugar. Anos depois, já seria dono do bordel mais famoso e requintado da cidade, em uma região bem central.

Era um marqueteiro nato. “Segundo os mais antigos, faltando cinco dias para seu aniversário, Ivo mandava alguém de sua confiança até a emissora de rádio local e pagava dezenas de mensagens em sua homenagem. Aquilo era a largada, pois a partir daí as mensagens começavam a chegar de todas as áreas da cidade, o que fazia seu cabaré ‘bombar’ durante uma semana” (Olhares de Claudia Wonder: crônicas e outras histórias (GLS/Summus, 2008, p. 129-130). 
  
Ele gostava de andar de carruagem (carruagem, aliás, que está exposta hoje no Centro Cultural de Uruguaiana) e ia comprar tecidos finos nas melhores lojas da cidade;

. Embora se vestisse de mulher, fazia questão de ser tratado no masculino;

. Tinha joias caras, perfumes importados e uma coleção de bonecas e outros bibelôs trazidos de vários países;

Meninas “perdidas” (assim eram chamadas as moças que transavam antes do casamento; pior ainda... quando engravidavam) eram chutadas para fora de casa, e Ivo as recolhia nas praças, botecos, rodoviária e estação de trem. Se quisessem ser “da vida”, eram treinadas para tal. Caso contrário, podiam trabalhar em outras atividades no cabaré. Seus filhos (quando elas não queriam abortar), dizem, eram apadrinhados por ele. Não só para moças “perdidas”, mas as portas da casa do Ivo jamais estiveram fechadas para qualquer outra pessoa que precisasse de ajuda;

Para costureiras, encomendava vestidos para ele e suas “meninas”, porém enviava medidas e modelos. Se a roupa precisasse de algum acerto, as instruções seriam enviadas por escrito. Não permitia que as costureiras frequentassem o seu cabaré, nem autorizava suas meninas irem até elas;

Em festas, como Páscoa, Dia das Crianças, Dia das Mães, Natal etc., não havia expediente no cabaré, mas filas enormes se formavam na porta principal. Nenhuma pessoa carente (de qualquer idade, raça etc.) saía dali de mãos abanando;

. Certa vez, um tio meu, muito danado, mas ainda menor de idade, decidiu frequentar o tal cabaré. Sempre muito possante, ele aparentava ser mais velho. Minha mãe, responsável por este irmão (naquele tempo, era comum que as irmãs mais velhas terminassem de criar os irmãos caçulas), descobriu as aventuras do rapazote. Sempre muito durona, foi lá e bateu na porta do cabaré. Mas o Ivo não permitiu que ela entrasse, apenas pediu a um funcionário que ouvisse atentamente e lhe trouxesse a queixa da vizinha. Para desgosto do meu tio, nunca mais foi permitido que ele entrasse no cabaré;

. Quando minha irmã nasceu, em sinal de paz e simpatia, mandou que entregassem aos meus pais um joguinho de talheres para criança, de prata. Minha mãe diz que ainda guarda tal presente do Ivo;  

Também contam que ele, vestido de mulher, carregava um facão escondido embaixo da saia. Quando houvesse confusão no cabaré, ele acabava logo com a briga. Até os fuzileiros e os brigadianos (como são conhecidos os da Brigada Militar) o respeitavam. Eram os mais “brigões”. Porém bastava o Ivo gritar para que se retirassem da casa, que eles obedeciam prontamente;

Sua filantropia ia mais além da distribuição de presentes e alimentos aos necessitados, contam que ajudou muitos jovens em seus estudos, alguns se tornaram “doutores”;

. Na época de Getúlio e Perón, políticos importantes iam ao seu cabaré para tratar de assuntos internacionais;

. Aliás, era comum dizer que, em Uruguaiana, havia apenas dois pontos turísticos: a ponte internacional e o cabaré do Ivo;

. No carnaval, Ivo costumava ser destaque do bloco do Clube Caixeiral. Usava sempre a fantasia mais luxuosa dos desfiles. Era ovacionado. Para evitar a debandada geral do público, desfilava por último. Depois que ele passava, muitos iam embora; tinham ido até lá apenas para vê-lo;

. Nos bailes de carnaval, ele e sua “corte” passavam para cumprimentar os foliões. Era anunciado... Recebia aplausos enquanto dava um giro pelo salão. Agradecia. E logo ia embora. Isso era tradicional. Ou seja: a ilustre visita do Ivo Rodrigues em vários clubes da cidade fazia parte da programação do baile;

Não se sabe muito bem o real motivo, mas chegou um momento em que o cabaré do Ivo começou a decair. Parece que uma filha de criação montou outra casa – a contragosto do pai. A jovem fora criada em colégios caros, o pai não queria que ela seguisse naquele ramo. Mas a filha não só montou um cabaré maior e mais moderno, como fez concorrência direta... Daí veio o fim dos dias de glória do Ivo. Alguns comentam que isso aconteceu mais por desgosto do que por ele, de fato, ter perdido a mão no ramo dos grandes bordéis;

Pobre, velho e com a saúde debilitada devido ao uso abusivo de álcool nos últimos tempos, foi durante uma briga de rua em fevereiro de 1974 que o Ivo morreu. Tinha 66 anos;

Mesmo nessa fase final, decadente e já quase esquecido, uma multidão foi ao seu velório e acompanhou a pé o caixão pela avenida Duque de Caxias até o Cemitério Municipal. Calçadas lotadas... do mesmo jeito que elas ficavam nos desfiles de carnaval, quando Ivo se exibia para receber todos os aplausos;

. Hoje, em Uruguaiana, Ivo Rodrigues é nome de rua, escola de samba e, no dia de Finados, dizem que há romarias para prestar homenagens em seu túmulo;

Parece que há um projeto (ainda não aprovado) para que seja esculpida uma estátua em sua homenagem... Mas os tempos mudaram.

Claro que muitas “passagens” desta história podem ser puro folclore. Na “biografia” dos mitos, a realidade acaba se misturando à fantasia. Ainda vou pesquisar mais sobre a trajetória do Ivo... Um desafio que talvez possa render um novo trabalho.