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quinta-feira, 12 de maio de 2016

A maldição de Eva



Certa vez, por telefone, a Rose Marie Muraro (uma das feministas pioneiras deste país) me disse que não queria mais saber de escrever sobre as mulheres: 

"Estive lá, no meio daquele inferno criado e dominado pelos homens, lutei que nem louca. E sabe o que consegui? Um câncer que quase acabou comigo."


Camille Paglia, outra intelectual que lutava pelos direitos das mulheres, mas que também acabou desistindo disso, escreveu o seguinte em um ensaio erudito de quase 700 páginas, lançado nos anos 1990, q
ue trata de arte, civilização e sexo (em trechos aqui editados): 

“O corpo feminino é uma máquina ctônica, indiferente ao espírito que o habita. Organicamente, tem uma missão, a gravidez, que podemos passar a vida repelindo. A natureza só se importa com a espécie, jamais com os indivíduos: as humilhantes dimensões desse fato biológico são experimentadas de maneira mais direta pelas mulheres, que provavelmente por causa disso têm maior realismo e sabedoria que os homens. [...] A gravidez demonstra o caráter determinista da sexualidade da mulher. Toda mulher grávida tem o corpo e o ego tomados por uma força ctônica além do seu controle. Na gravidez desejada, é um sacrifício feliz. Mas na indesejada, iniciada por um estupro ou azar, é um horror. Pois o feto [torna-se então] um tumor benigno, um vampiro que rouba para viver. O chamado milagre do nascimento é a natureza dando as cartas. [...] O insuportável mistério do corpo feminino aplica-se a todos os aspectos das relações dos homens com as mulheres. Que aparência terá aí dentro? Ela tem orgasmo? É mesmo meu filho? Quem foi de fato o meu pai? O mistério envolve a sexualidade da mulher. Esse mistério é o principal motivo para o aprisionamento que o homem lhe impôs. [...] A mulher é velada. O despedaçamento violento desse véu talvez seja um dos motivos dos estupros por gangues e assassinatos com estupros [...]. Os crimes sexuais são sempre masculinos, nunca femininos, porque tais crimes são ataques conceitualizadores à inatingível onipotência da mulher e da natureza. O corpo da mulher contém uma célula de noite arcaica, onde todo conhecimento deve parar. Esse é o profundo significado por trás do ‘striptease’, uma dança sagrada de origens pagãs, que, como a prostituição, o cristianismo jamais conseguiu liquidar. As danças eróticas de machos não são comparáveis, pois uma mulher nua leva para fora do palco uma ocultação final, aquela escuridão ctônica da qual viemos.” (Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily Dickinson, Companhia das Letras, 1992, p. 21-22 e 32,)

Por que transcrevi estes trechos aparentemente desconexos da fala da Rose e da obra da Camille? 

Bem, os que estiverem atentos a essa nova-velha onda (mundial) machista, patriarcal, heterocentrada, misógina, sexista etc. entenderão o motivo. 

Mais que disputas/desavenças nas políticas partidárias, o que parece ter (re)começado no Brasil e em outros países (inclusive, nos que são considerados “mais evoluídos” – vejam o que os ultraconservadores estão tentando fazer com Angela Merkel... no caso dos refugiados) é um ataque (já nem tão) velado às conquistas femininas/sociais. 


Estou exagerando? 

Talvez sim... 

Mas, embora não acredite que ela se eleja, penso que Hillary Clinton também será perseguida e destruída tão logo “se atreva” a não seguir a cartilha machista do poder.   

Tomara que eu esteja errado!!!! Aliás, é o que mais tenho dito ultimamente.




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