Caraca! Será que vivo em outro planeta ou me perdi em algum
portal do tempo?
Não tenho o tal do WhatsApp, também jamais cheguei a me empolgar
com "Guerra nas estrelas"... e ontem, depois de muitos anos sem ir ao
Centro de Sampa, só encontrei comentários ferozes sobre o primeiro (fora do ar
por ordem judicial) e euforia coletiva para a estreia do segundo (cartazes, lojas
abarrotadas de produtos da série etc.). Encontrei até camelô fantasiado com capas
e capacetes dos personagens do filme...
Puxa, a sensação é de que, por ter perdido vários capítulos
importantes de uma novela, fiquei boiando no final da história!
E logo eu que vi na telona o primeiro longa-metragem de
"Guerra nas estrelas". Sim, era interessante, porque apresentava
efeitos especiais até então nunca vistos... No segundo filme, já estando mais
velho, achei (peço perdão aos fãs de carteirinha!) aquilo meio fantasioso
demais, a princesa meio cafona e sem sal. Os demais filmes da série, não assisti
(na tevê, um pedaço aqui, outro ali, mas nunca de letreiro a letreiro; não
aguentei). Provavelmente, por já ter sido fisgado por "O caçador de
androides" ("Blade Runner", com uma pegada mais “noir” e existencialista),
outros filmes de ficção científica se tornaram menos interessantes. O romance
era bom. O filme, idem. E a trilha do grego Vangelis, impecável. Esse filme sobre
um futuro caótico, sim, me marcou. Até hoje a cena das “lágrimas na chuva” é
impactante... Quem já foi escravo do medo de estar vivo, também se identificará com esta cena.
Enfim, como eu disse, depois de muito tempo, reencontrei ontem
o Centro de Sampa de um jeito diferente, não é mais o mesmo que estava na minha
memória: com boas livrarias em muitas esquinas, Mappin, Mesbla, grandes cinemas
e lojas elegantes, que ofereciam nas vitrines uma infinita variedade de
produtos de qualidade (eram tempos “pré-China”).
Não. Ontem de manhã, infelizmente, achei tudo muito
massificado e enfadonho, apesar da poluição sonora (até isso era cansativo e muito
chato).
Depois de resolver algumas questões burocráticas na
Prefeitura, sentei num café, e fiquei ali, olhando, olhando, olhando. Um
estranho no ninho, era mais ou menos assim que eu me sentia. Daí, lembrei de
um comentário antigo da Bruna Lombardi, no qual ela admitia que sempre gostou dessa
"decadência assumida do centro de Sampa”. E havia mesmo, nos anos 1980 (e
até mais ou menos a metade da década seguinte), um lado "underground" nas imediações da Praça da República, com ares de
contravenção, vanguarda... Gente de várias tribos querendo sair daquele gesso
imposto pela ditadura militar: punks, darks, góticos, artistas, michês, putas, os coloridos da onda new
age, new gays e afins. Tudo ali fervilhava.
Eu amava isso! Havia um monte de personagens em cada
esquina...
Quando morei no Largo do Arouche, eu passeava à noite pelas
ruas, sozinho. Também ficava na sacada para ver o dia raiar (o povo da noite
indo embora; o do dia, chegando). Naquele tempo, eu escrevia filmes “trash”
para diretores da Boca do Lixo (e também alguns pornôs bem apimentados, com um
pseudônimo que não revelarei nem sob tortura; filmes que jamais tive coragem de assistir, mas que me renderam uma bela
grana... eu tinha apenas 18, 19... 20 anos. Moleque demais, e ainda cheio de falsos pudores). Dessas minhas andanças, surgiram
personagens da trilogia “Subterrâneos do desejo”, com “Caçadores noturnos” (Desatino,
2001), “O coveiro” (Desatino, 2003) e “O escorpião” (ainda em trabalho de parto
– difícil! difícil! difícil! –... um dia nascerá).
Dessa passagem (da noite para o dia), aqui vai um trecho:
“São Paulo fica muito esquisita nesses momentos, assim,
comprimida entre o finalzinho da madrugada e o comecinho da manhã. É como se
ainda não tivesse rosto, é só um corpo decapitado, inerte, incógnito. Não é
ainda aquela máquina fodida de fazer grana. O desatinado formigueiro humano
ainda não veio para esconder as calçadas, espantar os pombos, e as praças ainda
estão banhadas em esperma fresco. A São Paulo do dia se espreguiça, esquenta
suas turbinas; a São Paulo da noite agoniza, se prepara para o esquecimento.” (“Caçadores
noturnos”, conto “A vigília”)
Não, assim como não é mais o mesmo Centro da Bruna, também
deixou de ser o meu. A decadência continua lá, faz parte da boemia de Sampa. Porém
agora, dissimulada. Pelo menos para mim, já não tem o mesmo charme de antes.
Mas talvez ainda possa voltar a ser o que era. Enquanto burilo o texto de “O
escorpião”, preciso acreditar que sim, porque a trama se desenvolve no quarto de um hotel de viração na Boca do Lixo, que já não é mais Boca do Lixo, mas
Cracolândia... Ah, é verdade! Também já começaram a derrubar as paredes da
Cracolândia...
Pois é... Como Caetano cantou na música “Fora de ordem” (versos
que também podem definir Sampa – cidade sem igual nesse sentido... e, por isso
mesmo, assustadora e instigante): “Aqui tudo parece / Que era ainda construção
/ E já é ruína”
Caetano sabe das coisas...