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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O bordel das deixadas



[Trecho de um novo conto em construção...]


    Valquíria ajeita a tiara que prende sua peruca de cachos ruivos e, antes de se afastar do balcão da boate, olha de soslaio para a colega entristecida num canto. Querendo animá-la um pouco, sugere:

    — Acho que você precisa melhorar a fachada, Lurdes.

    — Tô acabada, né?

    — Um bagaço.

    — Com o tempo, ficar bonita custa mais caro. E ando dura, Val. Ultimamente, pego só refugo das mais novas.

    — Moleza, bobinha. Tabefe é botox de puta pobre. Vai lá, azucrina bem o teu gigolô. Depois, é só ajeitar bem a cara para receber as bofetadas: uma de cada lado... e a última, de preferência, direto na boca. Espicha as pregas da cara rapidinho. Daí, basta aplicar duas demãos de pancake e caprichar nas sombras escuras, no batom vermelho e na transparência dos panos. Olha só pra mim, não tô um escândalo hoje? Levei alguns de manhã e outros sopapos agorinha mesmo, antes de vir trabalhar. Tô quase zero quilômetro de novo, não? Claro que o meu bofe não é doido de me bater forte. Afinal, não vai querer estragar o ganha-pão dele, vai? São tapinhas de amor de macho, apenas isso. Ele se sente meu dono... e eu me renovo na zona. Recauchutagem instantânea. Hoje, por cima de mim, vai ser um cliente atrás do outro a noite inteira. Sairei daqui mancando de tão assada, mas com a bolsa cheia. Acho que, no fundo, gostam de sentir que teve um, mais macho que eles, que já passou por aqui... — bate entre as pernas e acaricia os hematomas do rosto antes de completar: — ... para deixar o território bem demarcado. Freguês muito frequente, viciado em puta, é um tipo de bicha enrustida, só pode ser. Não é por causa da mulher, mas pelo rastro deixado por outros machos que eles lançam longe aquele jato branco e gosmento. Chamam de gozo; pra mim, é que nem mijo.



© Felipe Greco                              
                                        

 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Espelho, espelho meu... o tempo passou, fodeu!


No pós-40 (e já quase pré-50),
entrei numa fase, digamos, "minimalista":
sociofobia galopante 
(gente em volta, raridade),
pouca luz
(de preferência, nenhuma)
e aversão a espelhos
(se for inevitável olhar para minha imagem refletida, tiro os óculos para dar uma filtrada no estrago).
O tempo é sádico.
 
 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Os da rapinagem...


Acredito que muitos conheçam a lenda da águia que, por volta dos 40 anos, assim como nasceu e chocou seus ovos, retorna ao topo de alguma montanha para bater com força e obstinação seu velho bico contra as rochas... até arrancá-lo. Sem comer e no frio, aguardará pacientemente... Daí, quando o novo bico crescer, ela começará a arrancar as próprias penas e garras. Um tempo depois, renovada, baterá suas asas e voltará à rapina.

Pode ser um exagero, claro, "alegoria" cheia de boas intenções, apenas fruto da nossa imaginação, porém conheço alguns que, “renascidos” ou não, jamais abandonam a rapina (não apenas por uma questão de sobrevivência, como é o caso da águia, mas por mau-caratismo mesmo).