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sábado, 10 de novembro de 2012

Medo de espelhos




Que sou um ser bastante desatento, já é sabido. Não tenho coragem de guiar carros, porque, andando a pé, consigo atropelar até mesmo orelhões. Imaginem um automóvel em minhas mãos! Pois é... Senta, que lá vem história!

Um dia desses, andando pelas ruas desertas do Morumbi (ou Murosbi, pois só há muros aqui, neste bairro metido a besta), percebi que as pessoas me olhavam mais do que de costume. Pior: olhavam e sorriam discretamente solidárias. Ao entrar no supermercado Pão de Açúcar, novos e cada vez mais insistentes olhares. E eu, que nem gosto de ter espelho em casa para não me assustar com minha cara e meu corpo cada vez mais derretidos pelo tempo, comecei a me sentir cortejado. Puxa, será que ainda sou capaz de seduzir?

De repente, um olhar mais demorado. Desviei, claro. É sempre bom bancar o difícil. Mas, de pois de certa idade, é melhor não exagerar. Não exagerei. Ao olhar de volta, fui logo correspondido. Outra vez. E mais outra. “Estou arrasando!”, pensei. Até que o fulano, que facilmente colocaria qualquer galã de Hollywood no chinelo, veio e indagou baixinho:

— Posso lhe dizer uma coisa?

Eu, sem pestanejar: — Claro!

Ele, encabulado: — Sua camiseta, ela tá do avesso...

Pois é. Voltei correndo para casa e terminei de quebrar o último espelho.

Como costumo dizer: se há vantagem em ficar velho... é saber que a gente está mais perto do fim. O resto é romance, história para vender livro. E disso, além da minha própria decrepitude, eu entendo bem.