Total de visualizações de página

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Meu adestrador


Por mais que eu me esforce, não consigo entender. Juro que não consigo! E por mais que eu tente me convencer de que fomos criados por um “ser superior”, uma “divindade”, “Deus” ou o nome que tiver essa força que nos ensinam/obrigam desde cedo a não contestar, notícias de maus-tratos a animais, violência contra crianças, manifestações de selvageria em geral, enfim, toda essa enxurrada de casos escabrosos despejada sem parar pelas mídias, vai me deixando cada vez mais descrente.

Por outro lado, quando acordo de manhã e recebo um abano de rabo do meu cachorro, volto a pensar que tais ações bárbaras contra a vida são apenas casos isolados, coisa de gente infeliz e com problemas de personalidade/autoestima. Embora bastante perigosas, são pessoas recalcadas, doentes, que precisam de tratamento psiquiátrico.
Sem dúvida, meu animal de estimação me ensinou e ainda me ensina muito mais sobre afeto incondicional do que muita gente que conheci/conheço. Meu egoísmo foi e continua sendo adestrado pacientemente por ele. Meu coração se desmancha sempre que ele se deita ao meu lado ou adormece no meu colo.
Sinceramente, sou capaz de trocar qualquer badalação para ficar junto dele.

Carência afetiva?
Transferência disso ou daquilo?
Compensação pelo filho que não tive?
Ah, que se danem as teorias e os divãs!

O que vale mesmo é o que sinto. Nunca tive problemas afetivos (pelo menos, nada que abalasse minhas estruturas). Sou exigente e perfeccionista demais para ter um filho. Sempre amei e fui muito amado. Porém, esse amor que aprendi a dar, ou melhor, a receber de um animal dito irracional ganha de longe de tudo que tive e/ou vejo por aí. Vai muito além mesmo.

Por isso, sinto uma enorme tristeza (para não dizer revolta) ao ler notícia de bicho sendo maltratado, de criança sendo explorada/violada, enfim, de todas essas atrocidades que ainda fazemos contra quem não pode se defender. Ora, se existiu mesmo o tal paraíso, se o primeiro casal foi de fato expulso dele, o mais provável é que ele (o tal casal) tenha voltado para se vingar. E “Deus”, se é que houve/há um deus, foi quem se mandou daqui. Abandonou toda essa merda ao perceber que era um projeto fadado ao fracasso, um grande equívoco, um rascunho infeliz, um blefe. Sim, Deus se escafedeu daqui há muito, muito, muito tempo!   

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Outro cara no espelho


Até ontem, eu não aparentava a minha idade – ainda que por dentro eu fosse bem mais velho do que constava em meus documentos. Acontece que o peso brutal da minha idade interior se escondia na falsa ideia de juventude da minha cara, do meu corpo, de quase tudo que havia para ser visto/mostrado. 
      O que somente eu sentia e sabia dessa outra idade camuflada? Dores físicas e psicológicas que se alimentavam vorazmente na correria das horas, aproveitando-se de modo sádico do meu crescente desencanto. Sim, porque às vezes acho tudo muito inútil e besta. A verdade é que se vive de novos (des)enganos. Apenas isso. “Envelhecer”, escrevi num conto antigo, “é colecionar frustrações”.* 
     Pois é, hoje acordei e vi um estranho no fundo do espelho do meu quarto. Meio encabulado, ele me espreitava em silêncio. A partir de agora, sei que esse cara (mais grisalho e cansado; menos irreal) vai querer se apossar cada vez mais de tudo que ainda há em mim.      


* “Encontro na chuva”, conto do livro Relicário (GLS/Summus, 2009).